domingo, outubro 16, 2011

Coração denunciador

Edgard Allan Poe é um dos meus escritores favoritos. 
Eis uma adaptação do conto Coração denunciador. Muito bom.

quarta-feira, outubro 12, 2011

Desaparecimento do romantismo da motocicleta

Já fui motociclista.
Motocicleta é mais que um meio de transporte, é uma cultura. Pilotar uma  motocicleta desperta sensações únicas.
Motocicleta é uma máquina que apaixona. Eu sou atraído por motocicletas. Eu gosto de pilotar motocicletas.
Mas, eu não sei se, hoje, eu compraria uma moto ou conduziria uma delas.
Faz quinze anos que não piloto e percebo que o aquele sentimento romântico que estava associado à motocicleta parece que evaporou.
As ruas estão entupidas de motos. Ser motociciclista não é mais fazer parte de um grupo específico: daqueles que gostam de motocicletas.
Motos são veículos que transportam toda a sorte de gentes e coisas. Tornaram-se apenas meio de transporte.
Mas um meio de transporte extremamente perigoso. Sempre foi perigoso. Todo motociclista, se não viveu ele próprio um acidente, conhece algum companheiro que sofreu, pelo menos, uma queda.
Restringir a venda de motos vai contra as regras do livre mercado. É impossível. E, afinal, porque restringir a oportunidade das pessoas saberem como é bom pilotar uma motocicleta? Seria injusto.
Aumentar as exigências para habilitação do condutor. É uma medida necessária. Mas não é suficiente. Além do mais, há muitos que estão aí circulando sem habilitação. E, por mais que as autoridades fiscalizem (e isso é importantíssimo) muitos vão continuar impunes.
Restam as campanhas de conscientização como as dos vídeos veiculados pelo governo do estado de Pernambuco.
Os três vídeos fazem uso de imagens fortes, explorando o realismo. Procuram criar uma reação de causa e efeito: imprudência que leva ao acidente e que resulta em dor no que se acidenta e daqueles que se relacionam com ele. 
O princípio é o mesmo daquelas imagens estampadas nos maços de cigarro.
Essas campanhas são importantes, necessárias. Mas, precisamos mais. Precisamos de políticas públicas multisetoriais. Vou tentar sintetizar algumas delas:
- Oferta de transporte coletivo de qualidade - para o cidadão não ter a moto como alternativa barata e funcional para a sua necessidade de deslocamento;
- Ações no planejamento urbano e de trânsito para melhorar o fluxo de veículos e não fazer da moto o único veículo capaz de circular com rapidez;
- Incentivo à ações racionais no campo da logística para não tornar a moto o único veículo cargueiro viável;
- Fazer valer as leis de trânsito que já  existem e aperfeiçoar mecanismos para garantir a punição de quem não respeita a lei.
Mas, estamos diante de um problema complexo. Demandas, necessidades, pressões de mercado e, porque não, uma grande dose de irresponsabilidade individual e coletiva.
Pena que desaparece o romantismo associado à motocicleta. As imagens dos vídeos não deixam dúvida disso.



Motos (1) - Governo de Pernambuco from RGA Comunicação on Vimeo.



Motos (2) - Governo de Pernambuco from RGA Comunicação on Vimeo.



Motos (3) - Governo de Pernambuco from RGA Comunicação on Vimeo.

segunda-feira, setembro 19, 2011

A gente não quer só comida

No julgamento no Tribunal de Justiça de Minas Gerais sobre a legalidade da greve dos professores das escolas estaduais (em greve há mais de 100 dias) chamou-me a atenção o fato de o desembargador   relacionar entre os danos irreparáveis provocados pela greve o não fornecimento da merenda escolar: 
"(...)que nas comunidades carentes dos grotões mineiros, costuma ser o único alimento diário dos infantes, algumas vezes, mais atraídos pelo pão do que pelo ensino” (citado em matéria no jornal O estado de Minas Gerais - também foi publicada a integra da sentença)
Chama a atenção porque expõe uma relação de causa e efeito que se justifica a partir de valores que estão difundidos em nossa sociedade, vale dizer: considera-se que é a merenda servida na escola que atrai os estudantes pobres para as aulas. 
Ora, se vamos manter crianças dentro da escola por, no mínimo, quatro horas, seria desumano não prever a realização de alguma refeição. A merenda escolar (cujo nome oficial é Programa Nacional de Alimentação Escolar) não pode ser compreendida como uma simples ação de assistência ou mesmo um ato de caridade. Trata-se apenas de uma das responsabilidades decorrentes do desenvolvimento do trabalho escolar. Ou seja, a merenda é consequência da atividade escolar, não o contrário.
O problema que se passa em Minas Gerais não é fato de crianças não estarem recebendo merenda, mas sim de não haver aulas nas escolas.
Aliás, para além do caráter nutricional, seria muito bom que as escolas dessem à refeição servida o devido cuidado educativo. É em torno da mesa que os seres humanos celebram a vida e estreitam os laços tornando-se mais humanos. A refeição não é apenas a ingestão de alimentos, é um ato cultural.
Reconhecer isso tornaria mais rico o trabalho educativo. Mas, para isso, não podemos pensar que é por causa da merenda que os alunos vão à escola.

quinta-feira, setembro 15, 2011

Relação de causa e efeito como valor

Recebi um e-mail que fazia referência ao texto publicado num dos portais de notícias na internet (Linha dura é receita da 1ª colocada pública regular de SP no ENEM).
O texto merece uma discussão pois alinha elementos que, de forma recorrente, vem aparecendo em discursos sobre o tema da educação vinculados pela mídia.
A matéria tem como ponto de partida a escala hierárquica que anualmente é apresentada após a divulgação dos resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Escala que apresenta em ordem decrescente as notas que, a partir de um ajuste estatístico, são atribuídas às escolas cujos alunos participaram da prova no ano anterior.
A apresentação desses resultados é amplamente explorada pela grande mídia e acaba atraindo a atenção de uma parcela da sociedade brasileira.
A comparação entre as notas de escolas públicas e escolas privadas é o ponto central. A tendência construída a partir da apresentação anual dessa escala é que os resultados das escolas públicas seja inferior aos das escolas privadas.
Mais recentemente, uma nova classificação vem sendo considerada: escolas públicas de maior e de menor desempenho. As primeiras - que acabam se equiparando ao grupo das escolas privadas - são, usualmente, as escolas técnicas federais ou estaduais, os colégios militares e as escolas de aplicação das universidades. São escolas que, em geral, realizam um processo seletivo para ingresso que considera o mérito escolar, desenvolvem atividades em tempo integral, que os professores trabalham em regime de dedicação exclusiva e possuem recursos pedagógicos à disposição para o uso no trabalho.  
As demais - chamadas, na matéria, de “escolas regulares” - são, em sua maioria, as escolas públicas estaduais que recebem qualquer aluno que requeira matrícula, cumprem apenas a carga horária mínima de aulas, que os professores são remunerados pelo número de aulas dadas e possuem poucos recursos.
Ou seja, foi criada uma nova hierarquia, agora, no interior do conjunto das escolas públicas.
A matéria se propõe mostrar a escola pública classificada como regular que obteve a melhor nota no ENEM. O texto leva o leitor a concluir que um aspecto específico do funcionamento da escola é determinante do resultado obtido na prova. De modo objetivo: que há uma relação de causa e efeito entre a chamada “linha dura” (expressão que está no título da matéria) da administração da escola e a nota no ENEM.  
É necessário lembrar que uma realidade é sempre resultado de uma multiplicidade de fatores. Portanto, a nota obtida por uma escola em uma avaliação como o ENEM não pode ser entendida como resultado de uma única dimensão, especialmente do que poderia ser chamado de uma forma de gestão da instituição.
Logo de início, o próprio texto faz uma menção muito rápida, ao fato de que a escola em questão faz seleção dos alunos ingressantes. Segundo a matéria, a escola recebe “os melhores alunos da rede municipal no último ano do fundamental". Logo, nesse aspecto, ela se iguala aos colégios militares e às escolas escolas técnicas federais e estaduais que fazem um exame para selecionar os ingressantes.
Contudo, vejo um outro aspecto que me desperta atenção e, principalmente, preocupação. Trata-se de uma visão que nós podemos nomear (tomando os devidos cuidados para não cairmos numa simplificação) de conservadora.
O aspecto central do sucesso dessa escola pública é apontado como o modo de funcionar que se caracteriza por uma rígida hierarquia que se funda na personalização da gestão. De um modo sintético: a escola é dirigida com "mãos de ferro" por uma diretora que possui características pessoais que resultam numa "ordem" do trabalho que leva a um resultado valorizado (notas do ENEM e aprovação em exames vestibulares).
O ponto central é justamente o caráter privado: a gestão da escola centralizada na pessoa da diretora e sendo essa pessoa portadora de uma missão que lhe foi atribuída em caráter privado (o cargo ocupado a partir de um convite feito pela secretaria de educação, há onze anos, em função de sua reputação). De outro lado, a racionalidade administrativa é reduzida às regras que visam a coerção que, pelo empenho pessoal da diretora, levam ao funcionamento em ordem. Não é por outro motivo que o texto cita entre as falas atribuídas à diretora da escola, as afirmações: “Outra coisa que não existe na minha escola..." ou “também não deixo usar boné e celular”.
Nada se fala do trabalho educativo desenvolvido na escola. Provavelmente, esse deve ser um dos principais elementos que diferenciam a escola das outras. Ou seja, o processo de ensino e aprendizagem que envolve professores, alunos, funcionários, pais e outros personagens desprezados na matéria.
Trata-se de um texto de grande apelo. Os elementos considerados e os juízos apresentados vão ao encontro de expectativas e entendimentos do senso comum. Agora, nós que somos profissionais da educação não podemos nos fiar pelo raciocínio que está presente no texto.
A leitura dele não pode ser apenas a das linhas mas dos motivos e dos valores que estão por trás delas.

domingo, setembro 04, 2011

A internet e a educação escolar

Quais as possibilidades da internet para o a educação escolar? Essa pergunta é muito importante. Eu tenho utilizado, desde de 2006, o ambiente virtual de aprendizagem MOODLE como auxiliar nos cursos que tenho ministrado. Além disso, me envolvi na oferta de cursos na modalidade educação a distância que utilizam tais ambientes virtuais de aprendizagem.

Apesar de fazer uso do computador, inclusive com recursos baseados na internet, julgo que ainda nos guiamos pelas referências dadas pelas tecnologias convencionais. Ou seja, pelas formas usuais do trabalho escolar que se estabeleceram ao longo do século XIX.

Observo, por exemplo, que é muito comum fazer uma simples transposição dos materiais e das atividades comumente utilizados nas aulas convencionais para dentro de um ambiente virtual de aprendizagem. Mas, isso representa apenas uma das possibilidades de emprego dos recursos. Pode  ser um passo importante (e até interessante) na medida em que permite um melhor registro de conteúdos, melhora a comunicação, etc.(como auxiliar no ensino dito presencial). Mas, a internet possuí potencialidades que considero que ainda não foram bem delineadas no que se refere aos aspectos pedagógicos dos recursos disponíveis.

O uso, na educação, do computador e das tecnologias de informação e comunicação que estão reunidas (ou são potencializadas) em um ambiente virtual de aprendizagem operado na internet, requer uma abordagem pedagógica própria. Passar a utilizar esses recursos representa mais do que uma simples adesão aos condicionantes técnicos destes.  Requer um tratamento metodológico apropriado. Há sempre o risco de subutilização dos recursos disponíveis ou do emprego inadequado ou mesmo incorreto considerando os critérios pedagógicos.

Estamos, por outro lado, dentro de um processo que transcorre num período tão curto e recente. O vídeo abaixo nos mostra como os diversos recursos hoje comuns - alguns até considerados já antigos - (como os blogs) surgiram faz poucos anos.

Isso, dentro da história, é muito pouco tempo. Nós professores ainda teremos muito o que aprender para darmos efetividade às promessas que as tecnologia de informação e comunicação colocaram para o setor da educação.


quarta-feira, agosto 31, 2011

Como se constrói um fenômeno de mídia?

De início já deixo claro que sou um ignorante completo em relação a esses eventos que, vejo aparecer em chamadas nos portais da mídia (UOL, Globo, etc. ) designados como UFC.

Dia desses, movido mais pela curiosidade de saber o que é isso (sabia que era um tipo de luta, mas nada mais), matei minha curiosidade lendo o verbete UFC na Wikipedia (ao procurar o termo nos deparamos com uma desambiguação - Universidade Federal do Ceará ou Ultimate Fighting Championship). 

Acho que fiquei razoavelmente informado com o que li. Mas a  informação não me moveu no sentido de sentir vontade de ver a transmissão de uma dessas lutas (nem procurar no You Tube algum vídeo).

Fiquei me perguntando, porém, o que atrai as pessoas para ver tais disputas. Apesar de ninguém do meu círculo de convivência familiar ou profissional, nem meus amigos, falar sobre tais lutas, percebo  que há interesse de muita gente. Como eu disse, as lutas tem chamadas em destaque nos portais na internet.

Hoje, no blog do Luís Nassif, vi que já há uma disputa entre emissoras de TV para transmitir tais eventos. O comentário de um dos leitores parece que me deu uma pista. Ele fala que o modelo das luta atrai aqueles que estão acostumados com os "consoles radicais". Ou seja, os jogos eletrônicos criaram um mundo próprio que agora os seres humanos tentam mimetizar nesses confrontos realizados em um ringue octogonal. Pode ser, é uma hipótese que me parece plausível. Mas, ainda tenho dúvidas.

George Canguilhem afirma em uma de suas obras que as interpretações sobre o funcionamento do corpo humano incorporaram, na modernidade, os modelos de funcionamento das máquinas, sendo que essas, antes, foram construídas tendo o corpo humano como referência. Será que que há um paralelo no caso desses combates? O virtual, que procura reproduzir o ser humano, mas um ser humano que não tem limites físicos, serve agora de modelo para criar uma atividade realizada por seres humanos de verdade?

Continuo sem vontade de ver as tais lutas. Mas entender como se constrói esse fenômeno midiático é interessante.

domingo, março 13, 2011

Museu de Rio Claro: será que o fogo não veio do céu?

Fui à Rio Claro (SP) no carnaval e tive uma triste surpresa. Um incêndio consumiu o prédio do Museu Histórico Pedagógico Amador Bueno da Veiga. Já se trata de uma notícia antiga. Afinal, o acontecimento se deu na madrugada do dia 21 de junho de 2010 (clique aqui para ver a notícia na página do Jornal Cidade de Rio Claro).
Quando soube do fato fiquei logo pensando na dimensão da perda. O prédio, por si só, possui um valor imenso. O acervo era grande e variado. Enfim, pensar que tudo aquilo havia sido queimado me deixava muito triste.
Agora, lendo as notícias sobre o fato, descobri que, pelo menos uma parte do acervo não se perdeu. Isso porque o prédio do museu estava fechado para a visitação na medida em que passava por um processo de reforma. Esta, por sua vez, parece que era descontínua e não tinha perspectiva de conclusão. Mas, de todo modo, ainda não ficou claro para mim a extensão da perda do acervo.

Quanto ao prédio, visitei as agora ruínas do mesmo. A foto abaixo dá uma ideia do seu estado.


Uma comparação com uma foto tirada logo depois do incêndio (veja a foto) nos dá mostra que a parte superior parede da face da porta de entrada do prédio (na avenida 2), assim como de uma das laterais ruíram posteriormente (ou foram demolidas). Do mesmo modo podemos ver que a outra parede lateral (que dá para a rua 7) e a dos fundos do edifício estão sustentadas por meio de um escoramento. Em consulta ao noticiário li que o prédio será restaurado. Esperamos que sim. Mas isso parece ainda incerto.
Chamou-me ainda a atenção um vídeo postado no YouTube que mostra o incêndio e, inclusive, a chegado do Corpo de Bombeiros. Pode-se reparar que o incêndio ocorre no pavimento superior e no telhado.



Encontrar as causas de um incêndio não deve ser uma coisa muito fácil de fazer. As notícias que apurei apenas relatam que a polícia iria investigar. Ao mesmo tempo, no terreno da retórica da disputa política, diversos atores apontam o dedo para este ou aquele responsável. Evidentemente, os ocupantes dos cargos públicos de mando do executivo são os alvos mais comuns: prefeito, secretários, etc. Na Câmara dos Vereadores não foi diferente.
Isso é irônico na medida em que anos atrás, um vereador, defendendo a suposta modernização da cidade se fez fotografar diante de uma edificação antiga com uma marreta nas mãos - uma residência que acabou sendo misteriosamente consumida por um incêndio tempos depois.
Mas, o que vi no vídeo me faz lançar uma hipótese sobre a causa do incêndio. Acredito que ela é bastante razoável. Penso que o fogo veio de cima e caiu sobre o telhado. De modo objetivo: um balão de ar quente caiu sobre o telhado e deu início ao desastre.
Os motivos que me fazem pensar assim são os seguintes:
1) O fato ocorreu em junho - mês que tradicionalmente muitas pessoas cultuam o hábito (irresponsável) de soltar balões por conta das tradições do período festas juninas.
2) O incêndio ocorreu em Rio Claro - e esse é motivo mais forte.
Morei diversos anos naquela cidade. Muitos balões podem ser vistos flutuando no céu daquela cidade. Posso afirmar que há uma tolerância e um descaso da sociedade de Rio Claro em relação ao fato de que muitas pessoas soltam balões. É, praticamente, uma tradição - nem sempre lembrada - na cidade. Há grupos organizados que soltam grande balões durante o ano todo - inclusive carregando cargas de fogos de artifício que são detonados durante o voo. E, há um inumerável contingente de pessoas de todas as idades que soltam pequenos balões especialmente ao longo dos meses de maio, junho e julho.

Apesar de ser comum a prática de soltar balões e a sua maior incidência ocorrer nos meses mais secos do ano, nunca vi, durante o tempo que morei em Rio Claro, uma ação no sentido seja de coibir, seja de evitar por meio da conscientização que as pessoas soltem balões.
Isso, evidentemente, não exime de responsabilidade os administradores públicos. Contudo, é preciso salientar que a sociedade como um todo é também responsável. Viver sob o risco de incêndio por conta de um costume de pessoas irresponsáveis e não fazer nada é aceitar, enfim, ser irresponsável também.