segunda-feira, setembro 19, 2011

A gente não quer só comida

No julgamento no Tribunal de Justiça de Minas Gerais sobre a legalidade da greve dos professores das escolas estaduais (em greve há mais de 100 dias) chamou-me a atenção o fato de o desembargador   relacionar entre os danos irreparáveis provocados pela greve o não fornecimento da merenda escolar: 
"(...)que nas comunidades carentes dos grotões mineiros, costuma ser o único alimento diário dos infantes, algumas vezes, mais atraídos pelo pão do que pelo ensino” (citado em matéria no jornal O estado de Minas Gerais - também foi publicada a integra da sentença)
Chama a atenção porque expõe uma relação de causa e efeito que se justifica a partir de valores que estão difundidos em nossa sociedade, vale dizer: considera-se que é a merenda servida na escola que atrai os estudantes pobres para as aulas. 
Ora, se vamos manter crianças dentro da escola por, no mínimo, quatro horas, seria desumano não prever a realização de alguma refeição. A merenda escolar (cujo nome oficial é Programa Nacional de Alimentação Escolar) não pode ser compreendida como uma simples ação de assistência ou mesmo um ato de caridade. Trata-se apenas de uma das responsabilidades decorrentes do desenvolvimento do trabalho escolar. Ou seja, a merenda é consequência da atividade escolar, não o contrário.
O problema que se passa em Minas Gerais não é fato de crianças não estarem recebendo merenda, mas sim de não haver aulas nas escolas.
Aliás, para além do caráter nutricional, seria muito bom que as escolas dessem à refeição servida o devido cuidado educativo. É em torno da mesa que os seres humanos celebram a vida e estreitam os laços tornando-se mais humanos. A refeição não é apenas a ingestão de alimentos, é um ato cultural.
Reconhecer isso tornaria mais rico o trabalho educativo. Mas, para isso, não podemos pensar que é por causa da merenda que os alunos vão à escola.

quinta-feira, setembro 15, 2011

Relação de causa e efeito como valor

Recebi um e-mail que fazia referência ao texto publicado num dos portais de notícias na internet (Linha dura é receita da 1ª colocada pública regular de SP no ENEM).
O texto merece uma discussão pois alinha elementos que, de forma recorrente, vem aparecendo em discursos sobre o tema da educação vinculados pela mídia.
A matéria tem como ponto de partida a escala hierárquica que anualmente é apresentada após a divulgação dos resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Escala que apresenta em ordem decrescente as notas que, a partir de um ajuste estatístico, são atribuídas às escolas cujos alunos participaram da prova no ano anterior.
A apresentação desses resultados é amplamente explorada pela grande mídia e acaba atraindo a atenção de uma parcela da sociedade brasileira.
A comparação entre as notas de escolas públicas e escolas privadas é o ponto central. A tendência construída a partir da apresentação anual dessa escala é que os resultados das escolas públicas seja inferior aos das escolas privadas.
Mais recentemente, uma nova classificação vem sendo considerada: escolas públicas de maior e de menor desempenho. As primeiras - que acabam se equiparando ao grupo das escolas privadas - são, usualmente, as escolas técnicas federais ou estaduais, os colégios militares e as escolas de aplicação das universidades. São escolas que, em geral, realizam um processo seletivo para ingresso que considera o mérito escolar, desenvolvem atividades em tempo integral, que os professores trabalham em regime de dedicação exclusiva e possuem recursos pedagógicos à disposição para o uso no trabalho.  
As demais - chamadas, na matéria, de “escolas regulares” - são, em sua maioria, as escolas públicas estaduais que recebem qualquer aluno que requeira matrícula, cumprem apenas a carga horária mínima de aulas, que os professores são remunerados pelo número de aulas dadas e possuem poucos recursos.
Ou seja, foi criada uma nova hierarquia, agora, no interior do conjunto das escolas públicas.
A matéria se propõe mostrar a escola pública classificada como regular que obteve a melhor nota no ENEM. O texto leva o leitor a concluir que um aspecto específico do funcionamento da escola é determinante do resultado obtido na prova. De modo objetivo: que há uma relação de causa e efeito entre a chamada “linha dura” (expressão que está no título da matéria) da administração da escola e a nota no ENEM.  
É necessário lembrar que uma realidade é sempre resultado de uma multiplicidade de fatores. Portanto, a nota obtida por uma escola em uma avaliação como o ENEM não pode ser entendida como resultado de uma única dimensão, especialmente do que poderia ser chamado de uma forma de gestão da instituição.
Logo de início, o próprio texto faz uma menção muito rápida, ao fato de que a escola em questão faz seleção dos alunos ingressantes. Segundo a matéria, a escola recebe “os melhores alunos da rede municipal no último ano do fundamental". Logo, nesse aspecto, ela se iguala aos colégios militares e às escolas escolas técnicas federais e estaduais que fazem um exame para selecionar os ingressantes.
Contudo, vejo um outro aspecto que me desperta atenção e, principalmente, preocupação. Trata-se de uma visão que nós podemos nomear (tomando os devidos cuidados para não cairmos numa simplificação) de conservadora.
O aspecto central do sucesso dessa escola pública é apontado como o modo de funcionar que se caracteriza por uma rígida hierarquia que se funda na personalização da gestão. De um modo sintético: a escola é dirigida com "mãos de ferro" por uma diretora que possui características pessoais que resultam numa "ordem" do trabalho que leva a um resultado valorizado (notas do ENEM e aprovação em exames vestibulares).
O ponto central é justamente o caráter privado: a gestão da escola centralizada na pessoa da diretora e sendo essa pessoa portadora de uma missão que lhe foi atribuída em caráter privado (o cargo ocupado a partir de um convite feito pela secretaria de educação, há onze anos, em função de sua reputação). De outro lado, a racionalidade administrativa é reduzida às regras que visam a coerção que, pelo empenho pessoal da diretora, levam ao funcionamento em ordem. Não é por outro motivo que o texto cita entre as falas atribuídas à diretora da escola, as afirmações: “Outra coisa que não existe na minha escola..." ou “também não deixo usar boné e celular”.
Nada se fala do trabalho educativo desenvolvido na escola. Provavelmente, esse deve ser um dos principais elementos que diferenciam a escola das outras. Ou seja, o processo de ensino e aprendizagem que envolve professores, alunos, funcionários, pais e outros personagens desprezados na matéria.
Trata-se de um texto de grande apelo. Os elementos considerados e os juízos apresentados vão ao encontro de expectativas e entendimentos do senso comum. Agora, nós que somos profissionais da educação não podemos nos fiar pelo raciocínio que está presente no texto.
A leitura dele não pode ser apenas a das linhas mas dos motivos e dos valores que estão por trás delas.

domingo, setembro 04, 2011

A internet e a educação escolar

Quais as possibilidades da internet para o a educação escolar? Essa pergunta é muito importante. Eu tenho utilizado, desde de 2006, o ambiente virtual de aprendizagem MOODLE como auxiliar nos cursos que tenho ministrado. Além disso, me envolvi na oferta de cursos na modalidade educação a distância que utilizam tais ambientes virtuais de aprendizagem.

Apesar de fazer uso do computador, inclusive com recursos baseados na internet, julgo que ainda nos guiamos pelas referências dadas pelas tecnologias convencionais. Ou seja, pelas formas usuais do trabalho escolar que se estabeleceram ao longo do século XIX.

Observo, por exemplo, que é muito comum fazer uma simples transposição dos materiais e das atividades comumente utilizados nas aulas convencionais para dentro de um ambiente virtual de aprendizagem. Mas, isso representa apenas uma das possibilidades de emprego dos recursos. Pode  ser um passo importante (e até interessante) na medida em que permite um melhor registro de conteúdos, melhora a comunicação, etc.(como auxiliar no ensino dito presencial). Mas, a internet possuí potencialidades que considero que ainda não foram bem delineadas no que se refere aos aspectos pedagógicos dos recursos disponíveis.

O uso, na educação, do computador e das tecnologias de informação e comunicação que estão reunidas (ou são potencializadas) em um ambiente virtual de aprendizagem operado na internet, requer uma abordagem pedagógica própria. Passar a utilizar esses recursos representa mais do que uma simples adesão aos condicionantes técnicos destes.  Requer um tratamento metodológico apropriado. Há sempre o risco de subutilização dos recursos disponíveis ou do emprego inadequado ou mesmo incorreto considerando os critérios pedagógicos.

Estamos, por outro lado, dentro de um processo que transcorre num período tão curto e recente. O vídeo abaixo nos mostra como os diversos recursos hoje comuns - alguns até considerados já antigos - (como os blogs) surgiram faz poucos anos.

Isso, dentro da história, é muito pouco tempo. Nós professores ainda teremos muito o que aprender para darmos efetividade às promessas que as tecnologia de informação e comunicação colocaram para o setor da educação.