sábado, novembro 06, 2010

Raridades de minha biblioteca 1



Em meados da década de 1980 comecei a compor a minha biblioteca. Comprar livros era uma novidade interessante para mim. Os livros que lera até então eram, em sua maioria tomados em empréstimo de bibliotecas públicas. Poder ter o meu próprio livro era uma experiência sem igual.
Contudo, uma série de obstáculos apareciam entre eu os meus desejados livros. A falta de experiência como comprador, a falta de recursos suficientes em confronto com o sempre elevado preço dos livros, além da terrível inflação que enfrentávamos naquela época, tornavam o ato de comprar esses objetos algo próximo da aventura.
Não tínhamos, ainda, a internet e as livrarias on-line. Mas havia a Leia Livros, uma revista que acabou extinta, o Folhetim na Folha de S. Paulo e o Suplemento Cultural do Estado de S. Paulo. Por meio deles eu fazia dos livros meus objetos de desejo.
Num dia, lendo um desses veículos acabei conhecendo uma pequena editora chamada Interior Edições. Ela ficava na cidade de Além Paraíba, em Minas Gerais. Foi provavelmente no início de 1986. Não sei precisar como foi, mas provavelmente aconteceu por conta da leitura de resenha do livro "A caça ao Turpente". Penso que foi assim porque, desde daquela época, tenho o costume de, ao adquirir um livro, escrever o meu nome e a data da aquisição. No exemplar desse livro anotei "maio de 1986".
Adquiri o referido livro por meio de compra direta na editora, com o negócio sendo operacionalizado, provavelmente, pelo reembolso postal. Negociei por meio de cartas. Não era fácil como hoje.
Mas, valeu a pena. Recebi, aliás, fui buscar (e pagar) na agência do correio, os meus exemplares adquiridos.
Vou mostrar neste post apenas de A caça ao Turpente. Num próximo post vou falar dos outros livros lançados pela Interior Edições.
A caça ao Turpente é uma tradução de The hunting of the Snark, de Lewis Carrol. Aiás, trata-se de uma edição bi-lingue da obra. Edição muito bonita e bem cuidada, por sinal. Há uma introdução feita pelo tradutor, o prefácio do autor, o texto propriamente, um conjunto de notas à tradução e dois apêndices que tratam do universo literário de Lewis Carrol. A capa (vocês podem ver) é bem apropriada ao conteúdo da obra.
O autor é mais conhecido pelos Alice's adventures in wonderland e Through the looking-glass. Aliás, eu comprei e li, na mesma época, a edição com a tradução de Sebastião Uchoa Leite, desses dois textos (CARROL, Lewis. Aventuras de Alice no País das Maravilhas. Tradução Sebastião Uchoa Leite. São Paulo: Summus, 1980).
Lewis Carrol (pseudônimo de Charles Lutwidge Dodgson) foi professor de matemática na Inglaterra, no período vitoriano e escreveu obras que se caracterizam pela ousadia literária. Classificar sua obra como nonsense é reduzi-la e fazer um juízo simplista.
A caça ao Turpente é um poema. Um poema que narra a aventura de uma caçada a uma criatura fantástica e estranha. Turpente foi a solução que o tradutor (Álvaro A. Antunes) encontrou para expressar em português uma das "palavras valises" inventadas por Carrol. Considerou que Snark é uma mistura que contrai as palavras snake (serpente) e shark (tubarão).
Os caçadores, por sua vez, não são menos estranhos: Campainha (Bellman), o comandante, é acompanhado, no navio, por Chineleiro, Chapeleiro ("um perito ao olhar"), Conselheiro ("pra causas, contendas"), Corretor ("para os bens valorar"), Carambola (Billiard-marker), Caixa [de banco] ("havendo enorme proventos/Guardar-lhes toda quantia"), Castor, entre outros estranhos tripulantes.
A caçada, por sua vez, se dá por meios e movimenta recursos que fogem ao comum, como podemos ver nessa passagem que está na página 79:

Com dedais e cautela saíram a caçá-lo;
Com garfo e esperança o achar;
Com uma ação ferroviária ameaçaram matá-lo;

Com sabão e sorriso o encantar.

Tudo isso torna, enfim, a leitura do texto uma fascinante aventura.


A caça ao Turpente, hoje, é um livro raro. A editora, ao que tudo indica, não funciona mais. Em todos esses anos nunca vi um exemplar numa livraria. Segundo os sistemas de busca no acervo, a Biblioteca Nacional possui um exemplar, a Biblioteca Mario de Andrade (de São Paulo), não possui exemplares, o sistema de bibliotecas da USP possui apenas um exemplar, as bibliotecas da Unicamp, da Unesp e da UFRJ também não possuem exemplares da obra.





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