terça-feira, julho 31, 2007

Superávit primário e financiamento da educação

O portal do UOL anunciou, na sua seção de economia, que o Estado Brasileiro economizou para o pagamento de juros da dívida pública, no primeiro semestre de 2007, um valor igual a 71,674 bilhões de Reais. O valor que o Estado economizou para pagar a dívida é tecnicamente denominado superávit primário. O número apresentado representa, está dito na referida matéria, 5,9% do valor do Produto Interno Bruto (PIB) e uma ampliação de 25,4% em relação à mesma medida no primeiro semestre de 2006 (ver o texto da matéria citada aqui).
A economia promovida pelo Estado representa menos investimentos em diferentes áreas e serviços públicos. O resultado dessa economia - uma porção significativa da riqueza produzida pela sociedade e arrecadada pelo Estado na forma de tributo - será transferida para as contas dos credores do Estado. Ou seja, de recurso público transformar-se-á em lucro privado.
Outro aspecto a ser destacado é a comparação do valor do superávit primário e os demais investimentos do Estado. Em nossa discussão específica, o investimento em manutenção e desenvolvimento da educação.
Na educação básica, em todo o ano de 2007, há uma previsão de investimentos da ordem de 48 bilhões de Reais (46 bilhões de estados e municípios e 2 bilhões da união - recursos do Fundeb).
Enquanto isso, o superávit primário do primeiro semestre é praticamente uma vez e meia o que será investido na educação básica durante o ano todo. Mantendo-se essa tendência, ao final do ano teremos que os recursos economizados para o pagamento dos juros da dívida pública serão algo como três vezes o que se investirá na educação básica durante todo o ano.
Para ver demonstrativo completo do Tesouro Nacional, clique aqui.
A partir desse fato pode-se imaginar o que seria do financiamento da educação caso não houvesse a vinculação de recursos dos impostos - lembrando que a Constituição Federal determina que 18% das receitas líquida dos impostos federais e 25% das receitas de impostos e transferências de estados e municípios devem ser invertidos em educação.

sexta-feira, julho 27, 2007

Avaliação da aprendizagem e trabalho na escola

O governador do estado de São Paulo fez a primeira alteração em seu secretariado nesta semana. A substituição ocorreu justamente na Secretatia de Educação. Maria Lúcia Vasconcelos, que estava a frente da secretaria desde 2006, foi substituída por Maria Helena Guimarães de Castro. Esta última, que é professora da Unicamp, participou da equipe do Ministério da Educação durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (vide mais sobre a referida substituição em matéria publicada no jornal Estado de S. Paulo - observar, particularmente como o referido jornal se posiciona em relação ao tema).
Em entrevista para o jornal Folha de S. Paulo, a nova secretária apontou alguns dos eixos que devem conduzir o seu trabalho frente à secretaria (ver a entrevista aqui).
Um dos aspectos destacados na entrevista foi a proposta alteração do mecanismo de premiação dos professores pelo mérito. Atualmente, os professores das escolas públicas estaduais de São Paulo recebem abonos em função da assiduidade. A nova secretaria propõe a inclusão de outro fator: o desempenho dos alunos nas avaliações institucionais.
A intenção é premiar os professores cujas classes obtiverem melhores notas nas provas que hoje são utilizadas para avaliar o sistema e as escolas (SAEB e Prova Brasil - promovidas pelo MEC - e, SARESP - da própria secretaria estadual de educação - SEE - de São Paulo). A idéia é que o desempenho dos alunos, que se apresenta nas notas, traduzindo o nível da aprendizagem, é resultado do trabalho do professor. Deste modo, premiando o professor cujos alunos tivessem bom desempenho estaria-se distinguindo o bom trabalho. Ao mesmo tempo, haveria um estímulo para que o professores se empenhassem mais para fazer os seus alunos aprenderem mais. Deste modo, seguindo a idéia da nova secretária, seria possível melhorar a qualidade do ensino público paulista.
O raciocínio apresenta lógica. Uma relação causal entre expectativa de melhor remuneração e empenho do professor, de um lado e, melhora da aprendizagem dos alunos, de outro.
Este mecanismo, por sua vez, só pode ser adotado (como salientou a secretária) devido a existência dos indicadores de desempenho escolar (a avaliação promovida pelo MEC e pela SEE). Ou seja, existem hoje escalas que permitem dimensionar o desempenho dos alunos. Falta, segundo a secretária, utilizar esses resultados.
Dessa maneira, em essência, a proposta da secretária não difere da proposta do MEC para a melhoria do ensino público no Brasil - vide o decreto 6094 de 24 de abril de 2006, que lançou o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, um dos elemenos do chamado Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). O MEC, por sua vez, criou um indicador - o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que combina resultados das avaliações de aprendizagem com os de evasão e repetência dos alunos - e está utilizando o mesmo como referência para traçar uma política de incentivos ao estados, municípios, com seus respectivos sistemas de ensino, para que promover a melhora do referido indicador. A idéia, neste caso, é premiar secretarias de educação e escolas - com transferência de recursos financeiros - que cumprirem as metas de elevação do IDEB (vide indicações do MEC para melhorar o IDEB).
Há, portanto, uma determinação de que a melhora da qualidade do trabalho educativo está relacionada à contrapartida financeira (
premiação pelo empenho). Não se pode negar que esta lógica está presente nas relações sociais, especialmente sob o modo capitalista de produção.
Contudo, no caso específico da proposta da nova secretária da educação de São Paulo, há que se fazer algumas considerações. A principal delas é relativa à
individualização do prêmio pelo bom desempenho dos alunos. O trabalho na escola é coletivo. Mesmo nos casos de professor polivalente - como acontece muitas vezes nos primeiros anos do ensino fundamental - há múltiplos fatores que determinam a aprendizagem dos alunos. A gestão do trabalho educativo, se tem no trabalho do professor um elemento essencial, porém, não se limita a ele.
O trabalho do professor é importantíssimo, contudo, o trabalho muitas vezes "invisível" de outros profissionais pode determinar a aprendizagem dos alunos. Afinal, tudo que acontece numa escola deve concorrer para o sucesso do processo educativo. Assim, porteiros, monitores, merendeiras,
faxineiras, escriturários, sem falar de coordenadores e diretores são, também, responsáveis pela qualidade (ou não) da escola.
Em suma, um bom e esforçado professor pode fazer pouco se não houver um adequado trabalho do conjunto da escola.
Além disso, nesta lógica da
premiação pelo desempenho dos alunos está presente uma concepção de educação escolar que se apresenta num modelo de ensino: a idéia de que o professor é aquele que ensina algo a alguém. Deste modo, individualiza-se o aluno e o próprio trabalho do professor. Trata-se de uma abstração. Na escola, há uma diversidade de alunos e o trabalho do professor não pode ser apenas o de ensinar uma disciplina - esse, talvez, seja uma dos maiores desafios colocados para os professores. Logo, a qualidade do trabalho do professor é algo mais complexo (vide a discussão mais apropriada sobre o tema em texto de José Mário Pires Azanha).
Diferentemente do
absenteísmo que, inegavelmente, é um dos problemas críticos em muitas escolas públicas e é sempre individualizado - a ausência é a deste ou daquele professor -, o desempenho relativo à aprendizagem não pode ser reduzido apenas a atuação de um indivíduo. Não que o professor não seja um elemento essencial para isso. Na verdade ele é, mas não é o único. Assim incentivar por meio de acréscimo à remuneração os professores que não faltam é uma coisa. Fazer o mesmo para aqueles que cujos alunos tem melhores nota é outra completamente diferente.
Existe, finalmente, neste ponto, um outro perigo: a discriminação contra alunos ou grupos de alunos (classes) que apresentem maiores dificuldades de aprendizagem. Esse, sim, algo que éinadmissível . Numa sociedade tão desigual, na qual o sistema de ensino, historicamente, contribui de maneira significativa para legitimar as desigualdades, pode-se estar criando mais um
fator para aprofundar esta desigualdade.
Não se pode esquecer que a escola pública - republicana - é aquela que recebe a todos e distribui esforços na medida certa para que todos aprendam.
Finalmente, um outro elemento a destacar na entrevista da secretária são as considerações que ela faz da gestão do sistema de ensino:
"(...) As diretorias de ensino têm de estar muito alinhadas às políticas do Estado para que possam cobrar os resultados na ponta".
É evidente que é dever da secretaria encaminhar uma política de educação. Ao mesmo tempo, que cabe aos gestores avaliar o sistema como um todo. Contudo, não se pode esquecer, que o grande desafio que se coloca é capacitar as escolas para que elas possam encontrar os meios de resolver os seus problemas e atender melhor a população. Pois, a simples cobrança já vem sendo feita e, historicamente, se materializa na forma do cumprimento dos rituais burocráticos (a escrituração escolar de acordo com um dado padrão, por exemplo).

terça-feira, julho 24, 2007

Financimento da educação profissional

Notícia publicada no site do Ministério do Trabalho e Emprego mostra que, em reunião realizada no dia 20 de julho de 2007, o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) aprovou o orçamento para o ano de 2008 e destinou 951 milhões de Reais para a qualificação de trabalhadores. Trata-se de um valor bastante alto, segundo destaca a própria matéria, visto que neste ano a referida rubrica terá recursos previstos de apenas 114 milhões (ver a notícia aqui).

O que a primeira vista parece uma notícia muito boa, revela-se, a partir do próprio texto, em algo preocupante para aqueles que conhecem como funciona educação profissional e, especialmente, as práticas correntes nos cursos financiados com recursos do Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT).

Na própria matéria, a seguir, está indicado que "serão mais de 1,3 milhão de trabalhadores qualificados em 2008". É este o ponto que queremos destacar. Antes de passar a análise, porém, é necessário mostrar o que se entende por qualificar trabalhadores.

A educação profissional, no Brasil, é desenvolvida na forma de: (a) formação inicial e continuada de trabalhadores; (b) educação profissional técnica de nível médio; (c) educação profissional tecnológica de graduação e pós-graduação. Enquanto a última é uma modalidade de ensino da educação superior e a segunda desenvolve-se em articulação com o ensino médio (podendo se integrada ou não ao mesmo), a primeira não se apresenta como ensino regular. Há uma indicação de que a formação inicial e continuada de trabalhadores seja desenvolvida em articulação com a educação de jovens e adultos, mas isso não é uma obrigatoriedade (vide Decreto 5154/04 que regulamenta a educação profissional no Brasil).

Essa forma de desenvolvimento da educação profissional existe justamente para atender as mais diferentes demandas, podendo ser configurada nos formatos mais variados visto que não possui vinculação com a escola regular. São enfim, programas de ensino e cursos que se classificam como de educação não formal. Por este último motivo, a formação inicial e continuada de professores pode ser desenvolvida tanto em escolas regulares quanto em outras instituições (sindicatos, associações, organizações não-governamentais, por exemplo).

Em 1995, foi criado, pelo governo federal, o Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador (Planfor). Este foi implementado por meio de dois mecanismos: Planos Estaduais de Qualificação e Parcerias Nacionais e Regionais. Em 2003 o Planfor foi extinto e substituído pelo Plano Nacional de Qualificação (PNQ). Estas políticas públicas, desenvolvidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego eram e são financiadas com recursos do Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT). De outro lado, a forma utilizada para operacionalizar essa política pública é o repasse de recursos para instituições que desenvolvam projetos de formação profissional nos moldes da formação inicial e continuada de trabalhadores.

São esses os recursos que fizemos menção acima.

Agora, vamos analisar os fatos da notícia. Os números apresentados indicam que os recursos transferidos, em média, por aluno representarão algo em torno de 730 Reais (basta dividir o 951 milhões de Reais por 1,3 milhão de alunos).

Mantidos os padrões usuais observados anteriormente, os cursos possuem em média 90 horas de aulas. Isto resultará num custo médio por aluno por hora de aula de R$ 8,12.

Trata-se de algo preocupante. Pois, o custo por aluno na escola regular, de ensino médio integrado com educação profissional, em São Paulo, previsto para o ano de 2007 pelo MEC, será de R$ 2399,48 (ver o documento aqui). Mas, um curso como esse, têm, no mínimo 800 horas de aulas de ensino médio e, dependendo do curso técnico integrado, algo em torno de pelo menos umas 300 horas de aulas de conteúdo técnico. O que eleva a carga horária para umas 1100 horas anuais de aulas. Daí resulta que o custo médio por aluno por hora de aula é de aproximadamente R$ 2,18.

Ou seja, o Ministério do Trabalho e Emprego vai pagar algo em torno de R$ 8,12 por aluno por aula em cursos livres, enquanto que na escola regular, de nível médio, no estado mais rico da federação, com verbas do FUNDEB, o poder público transferirá R$ 2,18 para os cursos técnicos das escolas públicas.

Não estou dizendo, contudo, que o valor R$ 2,18 é o ideal. Na verdade, ele é pouco. O problema está no custo injustificado dos cursos financiados com recursos do Fundo de Amparo do Trabalhador.

O impressionante é que essa política pública já foi classificada como a “nova institucionalidade” da educação profissional. Em suma, a modernidade em matéria de educação profissional. Isto, supostamente, porque estariam desvinculados do “peso” da escola regular e de modelos que impediam que a educação profissional atendesse os reais interesses de trabalhadores e empresas. Nesse sentido, esperava-se, inclusive, que os custos desse tipo de formação profissional fossem menores do que aqueles da escola regular.

Contudo, o modelo criado no governo FHC e mantido intocado no governo Lula possui um defeito terrível: como o Estado renuncia do seu dever de fazer o planejamento estratégico da formação profissional, não é capaz de fazer a articulação dos diversos agentes que são chamados para promover a educação profissional. Desse modo, ao se resumir a transferir recursos para esses agentes isolados, o Estado o faz sem os necessários instrumentos de controle sobre a eficácia, eficiência e efetividade das ações financiadas.

Se o Ministério do Trabalho e Emprego não rever os números apresentados - consideremos que o número de alunos atendidos seja bem maior ou que sejam fixadas cargas horárias mais elevadas para os cursos - há fortes indícios de que teremos desperdício de preciosos recursos.

quinta-feira, julho 12, 2007

Realidade, ficção, violência nas escolas

Acompanhei, nas últimas semanas, uma série de notícias publicadas no portal Globo.com de agressões de alunos contra professores e funcionários de escolas. Chamou-me a atenção o fato. Perguntei-me sobre o motivo de tal pauta.
Na semana passada tive a resposta a partir da observação de um dos meus alunos. Ele me informou que a rede Globo lançou uma novela, cujo título é Sete pecados, na qual uma das personagens é uma professora que é designada para ser diretora de uma escola pública que se encontra numa situação crítica (ver texto aqui). Outra colega me informou no início desta semana que o programa Fantástico, da mesma emissora, também apresentou uma reportagem sobre o mesmo tema (ver texto aqui).
Ao mesmo tempo, na revista Cult deste mês, que apresenta um excelente dossiê sobre a TV, li num dos textos que a TV mistura a realidade e a ficção fazendo uma indistinção entre elas (já fiz um comentário sobre isto em outro post). Esta indistinção tem a ver com a fragmentação que a TV utiliza como uma espécie de defesa. Os temas precisam tratados de modo superficial (rapidamente) e irem se repetindo. Isto porque a recepção dos programas ocorre em ambientes que potencialmente desviam a atenção dos expectadores. Ao mesmo tempo, este pode, a todo momento, trocar de emissora.
Ontem, na Folha de S. Paulo, o colunista Ruy Castro acabou, a partir da pauta da Globo, fez um texto com o título "A selva na sala de aula". Este texto acabou reproduzido no portal da Andifes (ver aqui).
Os episódios de agressão contra professores são fatos e não ocorrem apenas no Brasil.
Mas, a questão que se coloca, aqui, é qual o objetivo do veículo de comunicação?
Colocar o assunto na pauta dos noticiários e, ao mesmo tempo, apresentá-lo numa novela expressa que tipo de intenção?
Ao mesmo tempo, como o tema está sendo tratado?
Vejam, por exemplo, como já se configuram certos juízos de valor. Uma matéria do G1 (da Globo.com) relaciona a violência com o sistema de progressão continuada (ver texto aqui). Mas, é possível estabelecer uma relação de causa e efeito a partir apenas dessas evidências?

domingo, julho 08, 2007

Professores para o ensino médio

Foi lançado no dia 02 de julho um relatório de uma comissão do Conselho Nacional de Educação com o título Escassez de professores no ensino médio: soluções estruturais e emergenciais (ver o texto na íntegra aqui). O referido documento possui duas partes. A primeira apresenta um quadro geral que conduz ao problema da falta de professores devidamente habilitados para atuarem no ensino médio. Na segunda, são apresentadas propostas de solução.

A partir da análise da primeira parte podemos destacar os seguintes pontos:

1) No Brasil, não se alcançou a democratização do ensino médio. Isto pode ser verificado pelo fato de que apenas 45% da população entre 15 e 17 anos está matriculada nesse nível de ensino e, apenas 30% da população entre 25 e 64 anos concluiu o mesmo. É necessário lembrar que o ensino médio é a etapa final da educação básica e que, apesar de não obrigatório, constitui-se num dos direitos sociais de todo cidadão. Além disso, se não é obrigatório na letra da lei, tornou-se uma exigência dentro das relações sociais na atualidade, especialmente, no que diz respeito ao mercado de trabalho.

2) Houve uma ampliação da oferta do ensino médio nos últimos dez anos, sendo mais forte entre 1995 e 2000 (54%) e menor entre 2000 e 2005 (10%). Contudo, a partir de 2005 houve uma preocupante redução do número de matrículas, concentrada, especialmente nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Por outro lado, a expansão do número de matrículas foi acompanhada de uma redução da qualidade da aprendizagem. O SAEB detecta baixo nível de aprendizagem dos concluintes desse nível de ensino. Ao mesmo tempo, observa-se que tanto o acesso, quanto a permanência e o sucesso nesse nível de ensino estão fortemente relacionados com a renda familiar dos alunos.

3) As escolas de ensino médio, por sua vez, estão precariamente equipadas. As taxas de abandono e de reprovação são altas.

4) De outro lado, observa-se que a expansão das matrículas aconteceu sem que houvesse uma política específica de financiamento para o ensino médio (de modo diferente do ensino fundamental, que teve o Fundef vigorando entre 1997 e 2006). Ao mesmo tempo, faltam programas específicos que poderiam garantir a permanência na escola, como o de merenda escolar ou de distribuição de livros didáticos (só recentemente implantado ainda de forma limitada).

5) Outro ponto considerado no relatório é a remuneração dos professores. Há, contudo, um problema nos dados apresentados. Há uma tabela que compara a remuneração anual inicial e final de professor de diversos países e outra que compara os salários dos professores brasileiros nas diferentes regiões. Não há clareza dos critérios estabelecidos (por exemplo, da jornada de trabalho que se está considerando e da própria diferença entre remuneração e salário). Com isso, fica-se com a impressão de que a remuneração para comparação internacional não corresponde com o salário médio nacional. Contudo, fica claro que há grandes disparidades entre os salários regionais.

6) Em seguida, o relatório trata da formação dos professores. É nesse item que entendemos haver pontos problemáticos. Afirma-se que há um déficit em torno de 235 mil de professores habilitados para atuar no ensino médio. Mas, os autores do relatório afirmam que se trata de dados preliminares (no final, o número aumentará para 246 mil). No cabeçalho da tabela número 8 (página 11) está indicado: “demanda hipotética de professores no ensino médio”.

O relatório mostra o problema da evasão nos cursos de formação de professores. Contudo, isto é feito de modo aligeirado, sem aprofundar e utilizando “um estudo de dez anos atrás realizado pela Comissão Especial de Estudos sobre a Evasão nas Universidades Públicas Brasileiras” (p. 11-12). Apresenta uma tabela com os percentuais de evasão para, então, trazer uma afirmação tirada de um documento da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE): “o Brasil corre sério risco de ficar sem professores de Ensino Médio na rede pública, na próxima década” (p. 12). O “alerta” da CNTE estaria fundamentado na seguinte afirmação: “basta de que se analise a relação entre número de ingressantes na profissão versus a perda de profissionais por aposentadoria ou baixa remuneração salarial” (p. 12). Depois de fazer a citação formal do documento, os únicos dados concretos são que de um universo de 2,5 milhões de professores (não se sabe se apenas do ensino médio), “cerca de 60% estão mais próximos da aposentadoria que do início de carreira” (p. 12). De modo mais objetivo, a tabela 10, com dados do Inep, mostra a distribuição percentual, por faixa etária, dos professores da educação básica das redes estaduais.

Finalmente, o documento chega à parte em que apresenta estudo realizado pelo Inep sobre a situação de professores de disciplinas específicas e a adequação da formação inicial.

É necessário destacar que o relatório assinala que “apesar de ter sido um estudo preliminar, o Inep entendeu que a sua divulgação, por solicitação desta Comissão da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, poderia contribuir para a elaboração de algumas políticas para o enfrentamento da escassez de professores para o Ensino Médio” (p. 13). E, mais adiante, ao apontar a estimativa do número necessário de professores necessários em cada disciplina, pondera: “O Inep chama a atenção para o fato de que esse estudo não alcançou abrangência censitária, tendo sido necessária a realização de um tratamento estatístico de correção de dados” (p. 14). Isto, além de mencionar que o número de professores por disciplinas encontrado se refere a postos de trabalho que podem ser ocupados por um mesmo professor quando este exerce função em mais de um turno de trabalho (p. 15). Tudo isso, para chegar a uma “demanda hipotética no Ensino Médio (...) de 246085 postos de trabalho” e, então, comparar esse número com o de concluintes dos cursos de licenciatura entre 1990 e 2005, chegando a conclusão de que na maioria das disciplinas menos da metade dos docentes tem formação específica.

Trata-se, evidentemente, de resultados muito preocupantes. Contudo, o próprio relatório aponta que os número não são plenamente confiáveis. Ao ler cuidadosamente o relatório fica-se com uma desagradável impressão. Se os números estiverem corretos, a situação é muito crítica. Mas, podemos confiar plenamente? Há indícios de que não se tem uma idéia precisa do tamanho do problema.

No item Primeiras conclusões, os autores introduzem a expressão “apagão do ensino médio” (p. 17). Trata-se de uma terminologia infeliz. Ela acaba revelando não o que se está querendo mostrar, mas o caráter de incerteza do conhecimento (ausência de luz?) que se tem a respeito de um dos elementos essenciais da gestão dos sistemas de ensino.

Se não conseguimos avaliar com precisão, como, então, formular uma política pública? Como definir prioridades se o campo não está sendo visto de modo pleno?

Talvez, o documento, expedido pelo Conselho Nacional de Educação, sintetize, ele mesmo, um dos inúmeros motivos para termos a educação brasileira na situação em que se está.

P.S.:

Interessante como a mídia tomou os números. O primeiro dado que aparece no documento indica um déficit de 235 mil professores. Lá na frente, ele é de 246 mil. Ninguém perguntou por quê.

Da mesma forma, não houve questionamento sobre a descontinuidade entre o foi exposto nas considerações e as conclusões. No item Primeiras conclusões, o relatório apresenta que a carreira docente desperta pouco interesse devido ao seguinte:

Baixos salários;

Condições inadequadas de ensino;

Violência nas escolas;

Ausência de perspectivas de formação continuada e progressão na carreira.

Ocorre que o problema da violência e o da ausência de perspectivas de progressão na carreira não foram tratados no relatório.

Aliás, o tema da violência nas escolas está na pauta de um importante veículo de comunicação nas últimas semanas (veja aqui). Coincidência ou não, segundo me contou um aluno, num dos folhetins da emissora de TV há uma personagem que trabalha numa “escola pública problemática”.

Definitivamente, na televisão, não há limites entre a ficção e a realidade.

domingo, junho 24, 2007

O racional e o ilusório

Fui levado a ler a coluna de Mônica Bergamo na Folha de S. Paulo de 24 de junho (p. E2) por conta de uma citação que vi da mesma em que aparecia o seguinte trecho: “Tem ainda as vinculações de receita para educação, saúde...”.

Afinal, uma coluna que tinha como personagem central o presidente do Banco Central e que, de repente, fala da vinculação de receitas para a educação, ou seja, do principal mecanismo de financiamento da educação merece ser lida.

A coluna em questão faz a apresentação, de fato, de um homem vaidoso. Mas não apenas isso. A jornalista compõe um excelente quadro do personagem. Mostra a falsidade da aparente contradição entre o técnico e o político. Não há porque tudo no personagem é falso: ele vive num mundo que só possui correspondência com sua própria realidade. Um mundo realmente complexo, sem dúvida. Daí, naturalmente, se espantar com a “irracionalidade” daqueles que não habitam o seu círculo, ou seja, da grande maioria dos outros indivíduos.

Trata-se, de fato, de um grande vendedor... de suas próprias ilusões.

A partir do contexto (pois não está claro) é possível concluir que ele arrola a vinculação de receitas para educação e saúde entre os “problemas” relacionados aos gastos públicos.

Ou seja, ele vê como “problema” o mecanismo constitucional que impede que o Estado brasileiro adote de modo escancarado uma política genocida. Enfim, depreende-se que o presidente do Banco Central interpreta como um “problema” para o país o fato de a União ser obrigada a “gastar” 18% das receitas dos impostos federais (que fique claro, somente os impostos e não qualquer outro tributo) e os estados e municípios 25% de seus impostos e transferências, em educação.

Não que isso seja uma novidade em matéria de pensamento das diversas equipes econômicas que já passaram por Brasília. Ao contrário, é apenas a constatação de uma monótona regularidade.

Mas, ao mesmo tempo, por meio do texto citado, é possível ver que ele está acima do bem ou do mal. Afinal, como o próprio mostrou para a jornalista, ele foi apresentado por um jornal estrangeiro como alguém impressionante, ou ainda, de modo sintético, que “ele nasceu para isso”.

A palavra como veneno

Há inúmeros exemplos de órgãos da mídia que ultrapassam os limites éticos.

O jornalista Luis Nassif postou em seu blog um comentário de um leitor que faz uma reflexão sobre os custos e benefícios da injúria promovida por um órgão da mídia, especificamente, a revista Veja (ver aqui).

O comentarista vê a presença de um pensamento de curto prazo de natureza meramente contábil (pagamento de indenizações) que não estaria considerando o custo, no longo prazo, da perda da credibilidade.

Penso que o problema é muito sério. O que se vê na referida revista e, especialmente nos blogs de alguns de seus articulistas, é um estilo que, na ânsia de apontar o dedo, descamba para o abuso das palavras. A conseqüência é a impossibilidade do debate democrático. Contudo, é necessário destacar, não se trata de uma exclusividade dos órgãos da mídia mencionados.

Na Antiguidade já diziam que a palavra pode ser ao mesmo tempo um remédio e um veneno. Penso que é com este último sentido que ela tem funcionado nos casos referidos acima. Dessa forma, uma visita aos ditos blogs é uma experiência assustadora para aqueles que apreciam a convivência dentro dos limites do respeito entre os seres humanos.

Trata-se de um problema sério (com o perdão pelo uso de uma figura de linguagem extremamente pobre) porque as palavras venenosas matam o debate democrático. Como dialogar se os indivíduos não se respeitam? Como fazer a política se o objetivo se resume a desqualificar o outro?

É algo para se pensar o que podemos chamar de “projeto educativo” desses veículos e articulistas. A palavra, aspecto central em nossa condição de ser humano e elemento essencial para a possibilidade de vivermos em sociedade (a política só é possível porque usamos as palavras), usada de modo arbitrário, torna-se elemento para impedir o debate.

Os articulistas apresentam-se como contrários ao que denominam de onda do “politicamente correto”. Sob esse argumentam permitem-se fazer ataques virulentos, desproporcionais, inconseqüentes. Revisitam o espaço do já velho movimento da denúncia a qualquer custo. Gastam energia numa luta insana contra qualquer um (instituição, indivíduo ou idéia) que não esteja de acordo com o que consideram verdade. Vão a passos largos para as bandas da intolerância. Intolerância, ou autoritarismo, que alguns deles, contraditoriamente, dizem combater.

É lamentável percebe que, apesar de o país haver alcançado uma situação de estabilidade institucional nos últimos 20 anos, o debate político em certos órgãos da mídia ainda esteja marcado por posições antidemocráticas que desprezam o pensar em favor de um espetáculo barato.

sábado, junho 02, 2007

Sobre o uso das formas de tratamento e a desigualdade

No jornal Folha de S. Paulo do dia 01/06/2007 encontramos uma pequena notícia que parece banal (ou curiosa), mas que nos permite refletir um pouco sobre o papel do ensino formal na determinação de hierarquias sociais. Reproduziremos, abaixo, apenas o primeiro parágrafo do texto (o que é suficiente pois contém o elemento central). A notícia é seguinte:

Em Brasília, delegado quer ser tratado de "Excelência"

VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO

DA REPORTAGEM LOCAL

Os delegados de polícia não andam satisfeitos por ser chamados de "doutor". Líderes da categoria em Brasília pediram em ofício ao comando da Polícia Civil no Distrito Federal que sejam tratados de "Vossa Excelência".


É preciso esclarecer que, o cargo de delegado de polícia só pode ser ocupado por indivíduo que tenha concluído a formação, em nível superior, como bacharel em direito. No próprio texto da notícia há o seguinte complemento:


Segundo o manual de redação da Presidência da República, esse pronome de tratamento [excelência] deve ser usado com o presidente, governadores, deputados, senadores e juízes. Para delegados de polícia, a forma é "Vossa Senhoria". A orientação é reproduzida no Manual de Comunicação Oficial do governo do Distrito Federal.


Penso que é possível refletir sobre o papel que o sistema escolar (especialmente do ensino superior) acaba por assumir numa sociedade em que a educação não se constitui como direito mas, ao contrário, se torna um privilégio. Nesse caso, a posse do saber escolar legitima e cristaliza as desigualdades.

Rigorosamente, doutor é título acadêmico. Trata-se de um título acadêmico que uma Universidade pode conferir e que, na hierarquia desses, é o maior. Para obtê-lo, o candidato deve apresentar proficiência em diversas provas sendo culminante a apresentação de uma obra prima (a tese de doutoramento) diante de uma banca de renomados doutores.

Como nosso sistema de ensino superior teve sua origem no primeiro império, em cursos profissionais em instituições isoladas de ensino (não universitárias – a USP, a primeira universidade brasileira que efetivamente funcionou só veio a existir em 1934), o título de bacharel acabou travestido de “doutor”.

Além disso, doutor virou um meio de, na linguagem do português do Brasil, expressar as profundas desigualdades de nossa sociedade (ainda hoje, em localidades do interior do país os homens do povo chamam de “doutor” qualquer pessoa que possui posses ou demonstra algum conhecimento formal – notadamente o uso do padrão culto da língua).

O uso de um anel com uma pedra colorida num dedo e a denominação de “doutor” na frente do nome atestava (atesta) que o portador pertencia (pertence) aos níveis mais elevados da hierarquia social. Quem está nos níveis inferiores dessa hierarquia compreende que deve teme-lo. Confere, deste modo, dentro dessas relações, poder aos outros que, no rigor da academia, não passam de bacharéis. Desse modo, o sistema escolar (especialmente o ensino superior), no Brasil, cumpriu o papel de ser o meio de distinguir os que mandam dos que devem obedecer.

Já excelência deveria representar uma virtude. Diferente do título acadêmico, que requer a obrigatória passagem do indivíduo pela instituição escolar e o cumprimento de procedimentos formais para obtenção do título, a excelência seria o reconhecimento social do conjunto de qualidades que um sujeito possui.

Infelizmente, por aqui, o termo nomeia um dos pólos das relações sociais assimétricas. Excelência passou a designar os que ocupam altos cargos na estrutura do Estado. São os poderosos (que devem ser temidos pelos outros).

Triste república é a nossa.

O uso de formas de tratamento doutor ou excelência que bacharéis em direito exigem não representam nada mais do que formas de violência simbólica (ou às vezes bem real) contra os demais cidadãos.

Parece pouco, mas não é. É um abuso. Um atentado contra um dos pilares do sistema republicano: o da igualdade civil (que eles, aliás, deveriam ser defensores). Expressa o caráter violento de nossa sociedade.

Quando vejo estas manifestações me recordo da leitura de Machado de Assis, no capítulo O almocreve, no Memórias Póstumas de Brás Cubas. O autor sintetiza com maestria como a elite (representada, por sinal, num bacharel – perdão, doutor) se relaciona com o povo.

A desprezível atitude de Sua Excelência Doutor Brás Cubas, como se vê, não muda, nem passados mais de cem anos de história.

Excelência sim, só a de Machado de Assis.

sábado, fevereiro 17, 2007

Sobre o endurecimento das leis

A crença de que leis resolvem tudo é generalizada - especialmente no que diz respeito à área social. Segundo a interpretação de muitos, a educação, por exemplo, só funciona (satisfatória ou insatisfatoriamente) por causa das leis. Esquece-se que o dispositivo jurídico/normativo é apenas um ponto de partida para que alguma coisa aconteça (ou que, às vezes, deixe de acontecer).

A lei no papel não vai, por exemplo, fazer com que a estrutura policial funcione de modo eficiente e, principalmente, civilizado. Aliás, um dos aspectos importante, e não lembrados nesse debate é que as leis estão aí para colocar limites à ação abusiva que o Estado pode dirigir, por meio de seus agentes, contra o cidadão.

Digo isto porque me chama a atenção no episódio trágico acontecido no RJ é o fato de que ninguém questionou a atuação da polícia.

Vamos pensar: caso a mãe do menino estivesse sozinha e os criminosos tivessem, apenas, levado o carro.

Ela iria até o distrito policial notificar o assalto. O mais provável é que a polícia não mobilizaria uma palha para resolver o caso. É claro que poderia ser diferente. Mas, infelizmente, esta situação é uma constante. Ou seja, o episódio seria tratado como mais um caso - banal - de assalto. Um escrivão redigiria de modo maquinal um BO e seria o fim.

Do outro lado, a quadrilha continuaria a agir impune. Assaltariam outros tantos cidadãos repetidamente. E mais, nunca seria enquadrados como monstros, facínoras, etc. Continuariam sendo ladrõezinhos-pé-de-chinelo. Desses que roubam bêbados ou assaltam carros nos semáforos (de preferência se o motorista estiver sozinho e se for uma mulher).

A fatalidade se fez no momento em que havia uma criança pequena no carro...

Aí, depois de acontecer o que eles (a polícia) classificaram como quadro de horror, agem.

Lembro-me da foto ridícula publicada pela Folha de S. Paulo: três PMs (um deles armado com um fuzil) conduzem o primeiro dos "monstros" que foi preso. O rapaz está algemado e um dos policiais agarra o queixo do preso para forçar a exibição do rosto.

A cena patética lembra a velha prática da polícia brasileira de cortar as cabeças dos criminosos e exibi-las como troféus (foi o caso do bando de Lampião).

O rosto assustado e contrariado do preso contrasta com o sorriso de escárnio dos policiais.

Mas aí, poderíamos fazer algumas perguntas incômodas: Em primeiro lugar, do que riem os policiais da foto? De um modo mais objetivo, o que faria a polícia do RJ se apenas o carro tivesse sido levado? Teríamos ações de inteligência para mapear esse e os outros furtos e assaltos realizados pela quadrilha? Haveria um esforço para identificar e deter os criminosos no sentido de diminuir a possibilidade de tragédias acontecerem?

Portanto, não adianta endurecer penas ou reduzir maioridade se continuamos a ter (só para começar) uma polícia como esta que está aí. Polícia que funciona de modo precário e sobre a qual não se tem controle. Que alimenta com cenas de tiroteio e cabeças abatidas a indústria do espetáculo, mas que é incapaz de dar segurança à sociedade.

terça-feira, janeiro 16, 2007

Rua do Sumidouro

Não sou geólogo nem engenheiro. Sei que os profissionais dessas áreas dificilmente dão crédito às evidências que não são aquelas apresentadas pelos estudos técnicos. O conhecimento científico e as medidas efetuadas com os mais diferentes instrumentos fornecem um quadro sobre o qual eles constroem modelos (muitas das vezes extremamente sofisticados) que dão as condições para que sejam conhecidas condições não diretamente visíveis e elaborados projetos para a construção.

Os modelos são sistemas de conhecimento da realidade. Contudo, eles têm seus limites. Eles são elaborados a partir de um conjunto de medidas que, por mais que seja levantado de forma extensiva, jamais dá conta de considerar todas as variáveis. Há intervalos sobre os quais se faz uma extrapolação dos dados da vizinhança ou de condições observadas em situações semelhantes.

Se há pontos críticos, mais medidas devem ser levantadas para tentar aumentar a certeza.

Elaborado o modelo, recria-se a realidade daquilo que, eventualmente, nem é visível. A partir daí, pode-se projetar.

Um novo modelo é construído. Agora, resultado dos conhecimentos que se possui sobre os materiais e as condições para a realização técnica de um trabalho, confrontado com o modelo sobre a realidade.

Em suma, faz-se, a partir do conhecimento formalizado pela ciência, uma antecipação de uma intervenção que o ser humano fará sobre alguma coisa.

O que dificilmente acontece é dar crédito a indícios, especialmente aqueles que vem do que é chamado senso comum ou de observações cuja origem se perdeu.

Falo tudo isso porque, ao que parece, os construtores da agora acidentada obra da linha 4 do Metrô de São Paulo não se atentaram para o fato de que, vizinho à mesma, há um rua cujo nome é Rua do Sumidouro.

Ora, o que é um sumidouro? Infelizmente, os dicionários não apresentam o sentido que os caboclos de São Paulo deram a este termo. No interior do estado ainda é possível ouvir os velhos contando histórias de pontos em áreas de várzea ou de brejo onde existem lugares de solo instável, extremamente perigosos, cujas trilhas devem ser evitadas pois se tratam de lugares onde as coisas afundam e desaparecem.

Isto me veio à memória porque, ao ver, na TV, as máquinas removendo a terra depois do acidente na referida obra, percebi que a mesma apresentava a mesma aparência da terra que vi ser retirada de um brejo, na minha infância, no interior de São Paulo. O referido brejo era famoso por ter sumidouros.

Não que não se pudesse construir sobre um sumidouro. Mas, provavelmente, seria necessário um estudo mais apurado para a elaboração dos modelos e do projeto. Além disso, mais material e trabalho mais cuidadoso seria necessário. Isto, evidentemente, exigiria mais recursos.

Bem, daí, nós saímos da engenharia e caímos na administração e na economia. E, pelo que eu também sei, são áreas cujos profissionais não dão muito crédito a nomes dados pelo povo aos logradouros, especialmente, se a origem do mesmo há muito se perdeu.