domingo, julho 08, 2007

Professores para o ensino médio

Foi lançado no dia 02 de julho um relatório de uma comissão do Conselho Nacional de Educação com o título Escassez de professores no ensino médio: soluções estruturais e emergenciais (ver o texto na íntegra aqui). O referido documento possui duas partes. A primeira apresenta um quadro geral que conduz ao problema da falta de professores devidamente habilitados para atuarem no ensino médio. Na segunda, são apresentadas propostas de solução.

A partir da análise da primeira parte podemos destacar os seguintes pontos:

1) No Brasil, não se alcançou a democratização do ensino médio. Isto pode ser verificado pelo fato de que apenas 45% da população entre 15 e 17 anos está matriculada nesse nível de ensino e, apenas 30% da população entre 25 e 64 anos concluiu o mesmo. É necessário lembrar que o ensino médio é a etapa final da educação básica e que, apesar de não obrigatório, constitui-se num dos direitos sociais de todo cidadão. Além disso, se não é obrigatório na letra da lei, tornou-se uma exigência dentro das relações sociais na atualidade, especialmente, no que diz respeito ao mercado de trabalho.

2) Houve uma ampliação da oferta do ensino médio nos últimos dez anos, sendo mais forte entre 1995 e 2000 (54%) e menor entre 2000 e 2005 (10%). Contudo, a partir de 2005 houve uma preocupante redução do número de matrículas, concentrada, especialmente nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Por outro lado, a expansão do número de matrículas foi acompanhada de uma redução da qualidade da aprendizagem. O SAEB detecta baixo nível de aprendizagem dos concluintes desse nível de ensino. Ao mesmo tempo, observa-se que tanto o acesso, quanto a permanência e o sucesso nesse nível de ensino estão fortemente relacionados com a renda familiar dos alunos.

3) As escolas de ensino médio, por sua vez, estão precariamente equipadas. As taxas de abandono e de reprovação são altas.

4) De outro lado, observa-se que a expansão das matrículas aconteceu sem que houvesse uma política específica de financiamento para o ensino médio (de modo diferente do ensino fundamental, que teve o Fundef vigorando entre 1997 e 2006). Ao mesmo tempo, faltam programas específicos que poderiam garantir a permanência na escola, como o de merenda escolar ou de distribuição de livros didáticos (só recentemente implantado ainda de forma limitada).

5) Outro ponto considerado no relatório é a remuneração dos professores. Há, contudo, um problema nos dados apresentados. Há uma tabela que compara a remuneração anual inicial e final de professor de diversos países e outra que compara os salários dos professores brasileiros nas diferentes regiões. Não há clareza dos critérios estabelecidos (por exemplo, da jornada de trabalho que se está considerando e da própria diferença entre remuneração e salário). Com isso, fica-se com a impressão de que a remuneração para comparação internacional não corresponde com o salário médio nacional. Contudo, fica claro que há grandes disparidades entre os salários regionais.

6) Em seguida, o relatório trata da formação dos professores. É nesse item que entendemos haver pontos problemáticos. Afirma-se que há um déficit em torno de 235 mil de professores habilitados para atuar no ensino médio. Mas, os autores do relatório afirmam que se trata de dados preliminares (no final, o número aumentará para 246 mil). No cabeçalho da tabela número 8 (página 11) está indicado: “demanda hipotética de professores no ensino médio”.

O relatório mostra o problema da evasão nos cursos de formação de professores. Contudo, isto é feito de modo aligeirado, sem aprofundar e utilizando “um estudo de dez anos atrás realizado pela Comissão Especial de Estudos sobre a Evasão nas Universidades Públicas Brasileiras” (p. 11-12). Apresenta uma tabela com os percentuais de evasão para, então, trazer uma afirmação tirada de um documento da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE): “o Brasil corre sério risco de ficar sem professores de Ensino Médio na rede pública, na próxima década” (p. 12). O “alerta” da CNTE estaria fundamentado na seguinte afirmação: “basta de que se analise a relação entre número de ingressantes na profissão versus a perda de profissionais por aposentadoria ou baixa remuneração salarial” (p. 12). Depois de fazer a citação formal do documento, os únicos dados concretos são que de um universo de 2,5 milhões de professores (não se sabe se apenas do ensino médio), “cerca de 60% estão mais próximos da aposentadoria que do início de carreira” (p. 12). De modo mais objetivo, a tabela 10, com dados do Inep, mostra a distribuição percentual, por faixa etária, dos professores da educação básica das redes estaduais.

Finalmente, o documento chega à parte em que apresenta estudo realizado pelo Inep sobre a situação de professores de disciplinas específicas e a adequação da formação inicial.

É necessário destacar que o relatório assinala que “apesar de ter sido um estudo preliminar, o Inep entendeu que a sua divulgação, por solicitação desta Comissão da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, poderia contribuir para a elaboração de algumas políticas para o enfrentamento da escassez de professores para o Ensino Médio” (p. 13). E, mais adiante, ao apontar a estimativa do número necessário de professores necessários em cada disciplina, pondera: “O Inep chama a atenção para o fato de que esse estudo não alcançou abrangência censitária, tendo sido necessária a realização de um tratamento estatístico de correção de dados” (p. 14). Isto, além de mencionar que o número de professores por disciplinas encontrado se refere a postos de trabalho que podem ser ocupados por um mesmo professor quando este exerce função em mais de um turno de trabalho (p. 15). Tudo isso, para chegar a uma “demanda hipotética no Ensino Médio (...) de 246085 postos de trabalho” e, então, comparar esse número com o de concluintes dos cursos de licenciatura entre 1990 e 2005, chegando a conclusão de que na maioria das disciplinas menos da metade dos docentes tem formação específica.

Trata-se, evidentemente, de resultados muito preocupantes. Contudo, o próprio relatório aponta que os número não são plenamente confiáveis. Ao ler cuidadosamente o relatório fica-se com uma desagradável impressão. Se os números estiverem corretos, a situação é muito crítica. Mas, podemos confiar plenamente? Há indícios de que não se tem uma idéia precisa do tamanho do problema.

No item Primeiras conclusões, os autores introduzem a expressão “apagão do ensino médio” (p. 17). Trata-se de uma terminologia infeliz. Ela acaba revelando não o que se está querendo mostrar, mas o caráter de incerteza do conhecimento (ausência de luz?) que se tem a respeito de um dos elementos essenciais da gestão dos sistemas de ensino.

Se não conseguimos avaliar com precisão, como, então, formular uma política pública? Como definir prioridades se o campo não está sendo visto de modo pleno?

Talvez, o documento, expedido pelo Conselho Nacional de Educação, sintetize, ele mesmo, um dos inúmeros motivos para termos a educação brasileira na situação em que se está.

P.S.:

Interessante como a mídia tomou os números. O primeiro dado que aparece no documento indica um déficit de 235 mil professores. Lá na frente, ele é de 246 mil. Ninguém perguntou por quê.

Da mesma forma, não houve questionamento sobre a descontinuidade entre o foi exposto nas considerações e as conclusões. No item Primeiras conclusões, o relatório apresenta que a carreira docente desperta pouco interesse devido ao seguinte:

Baixos salários;

Condições inadequadas de ensino;

Violência nas escolas;

Ausência de perspectivas de formação continuada e progressão na carreira.

Ocorre que o problema da violência e o da ausência de perspectivas de progressão na carreira não foram tratados no relatório.

Aliás, o tema da violência nas escolas está na pauta de um importante veículo de comunicação nas últimas semanas (veja aqui). Coincidência ou não, segundo me contou um aluno, num dos folhetins da emissora de TV há uma personagem que trabalha numa “escola pública problemática”.

Definitivamente, na televisão, não há limites entre a ficção e a realidade.

2 comentários:

Anônimo disse...

Seu post está muito interessante, Paulo. De fato, o ensino Médio, no Brasil carece de muitos olhares e reflexão. Acrescida a todos os indicadores que você aponta: baixos salários, escesso de carga horária + financiamento + gestão e etc. ainda tem-se a impossibilidade demonstrada por uma grande maioria que lida com o Ensino Médio de conviver (bem) com seu caráter ambíguo (formação propedêutica + formação para o trabalho.
Penso que não há como enfrentar a situação sem abrir mão daquilo que conversámos outro dia: enquanto o EM for pensado como terminalidade do ensino fundamental, consequentemente, como terminalidade do ensino fundamental, ganhando autonomia, sem, contudo, ser desconectado da rede da educação esolar (ensino fundamental + ensino médio + ensino superior)parece que não haverá apresentação de "soluções" criativas.
Talvez, esse exercício de retirada do ensino médio do complexo de "irmão do meio" pudesse fazer-nos concordar com a proposição de Nietzsche quando ele diz: “Aprender a pensar: nas nossas escolas não se sabe mais o que isto significa. Até mesmo na universidade, até mesmo entre os verdadeiros sábios da filosofia, a lógica como teoria, como prática, como profissão começa a desaparecer”.
Não teríamos uma finalidade interessante para o ensino: lugar de aprender a pensar?


Estou pensando alto, sem a preocupação de delimitar um ponto de vista!rs

Paulo Celso Gonçalves disse...

E se pensássemos de outro modo: será que o "irmão do meio" (os últimos anos do ensino fundamental) não seria também parte do problema na medida em que existe para introduzir as matérias (quase que impreterivelmente tratadas como disciplinas) que serão aprofundadas no ensino médio?
Daí, o que se faz nessa etapa acaba se refletindo na seguinte.
Não é absurdo pensarmos assim visto que, por exemplo, o fracasso escolar nos anos finais do ensino fundamental é elevado.