sexta-feira, julho 27, 2007

Avaliação da aprendizagem e trabalho na escola

O governador do estado de São Paulo fez a primeira alteração em seu secretariado nesta semana. A substituição ocorreu justamente na Secretatia de Educação. Maria Lúcia Vasconcelos, que estava a frente da secretaria desde 2006, foi substituída por Maria Helena Guimarães de Castro. Esta última, que é professora da Unicamp, participou da equipe do Ministério da Educação durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (vide mais sobre a referida substituição em matéria publicada no jornal Estado de S. Paulo - observar, particularmente como o referido jornal se posiciona em relação ao tema).
Em entrevista para o jornal Folha de S. Paulo, a nova secretária apontou alguns dos eixos que devem conduzir o seu trabalho frente à secretaria (ver a entrevista aqui).
Um dos aspectos destacados na entrevista foi a proposta alteração do mecanismo de premiação dos professores pelo mérito. Atualmente, os professores das escolas públicas estaduais de São Paulo recebem abonos em função da assiduidade. A nova secretaria propõe a inclusão de outro fator: o desempenho dos alunos nas avaliações institucionais.
A intenção é premiar os professores cujas classes obtiverem melhores notas nas provas que hoje são utilizadas para avaliar o sistema e as escolas (SAEB e Prova Brasil - promovidas pelo MEC - e, SARESP - da própria secretaria estadual de educação - SEE - de São Paulo). A idéia é que o desempenho dos alunos, que se apresenta nas notas, traduzindo o nível da aprendizagem, é resultado do trabalho do professor. Deste modo, premiando o professor cujos alunos tivessem bom desempenho estaria-se distinguindo o bom trabalho. Ao mesmo tempo, haveria um estímulo para que o professores se empenhassem mais para fazer os seus alunos aprenderem mais. Deste modo, seguindo a idéia da nova secretária, seria possível melhorar a qualidade do ensino público paulista.
O raciocínio apresenta lógica. Uma relação causal entre expectativa de melhor remuneração e empenho do professor, de um lado e, melhora da aprendizagem dos alunos, de outro.
Este mecanismo, por sua vez, só pode ser adotado (como salientou a secretária) devido a existência dos indicadores de desempenho escolar (a avaliação promovida pelo MEC e pela SEE). Ou seja, existem hoje escalas que permitem dimensionar o desempenho dos alunos. Falta, segundo a secretária, utilizar esses resultados.
Dessa maneira, em essência, a proposta da secretária não difere da proposta do MEC para a melhoria do ensino público no Brasil - vide o decreto 6094 de 24 de abril de 2006, que lançou o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, um dos elemenos do chamado Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). O MEC, por sua vez, criou um indicador - o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que combina resultados das avaliações de aprendizagem com os de evasão e repetência dos alunos - e está utilizando o mesmo como referência para traçar uma política de incentivos ao estados, municípios, com seus respectivos sistemas de ensino, para que promover a melhora do referido indicador. A idéia, neste caso, é premiar secretarias de educação e escolas - com transferência de recursos financeiros - que cumprirem as metas de elevação do IDEB (vide indicações do MEC para melhorar o IDEB).
Há, portanto, uma determinação de que a melhora da qualidade do trabalho educativo está relacionada à contrapartida financeira (
premiação pelo empenho). Não se pode negar que esta lógica está presente nas relações sociais, especialmente sob o modo capitalista de produção.
Contudo, no caso específico da proposta da nova secretária da educação de São Paulo, há que se fazer algumas considerações. A principal delas é relativa à
individualização do prêmio pelo bom desempenho dos alunos. O trabalho na escola é coletivo. Mesmo nos casos de professor polivalente - como acontece muitas vezes nos primeiros anos do ensino fundamental - há múltiplos fatores que determinam a aprendizagem dos alunos. A gestão do trabalho educativo, se tem no trabalho do professor um elemento essencial, porém, não se limita a ele.
O trabalho do professor é importantíssimo, contudo, o trabalho muitas vezes "invisível" de outros profissionais pode determinar a aprendizagem dos alunos. Afinal, tudo que acontece numa escola deve concorrer para o sucesso do processo educativo. Assim, porteiros, monitores, merendeiras,
faxineiras, escriturários, sem falar de coordenadores e diretores são, também, responsáveis pela qualidade (ou não) da escola.
Em suma, um bom e esforçado professor pode fazer pouco se não houver um adequado trabalho do conjunto da escola.
Além disso, nesta lógica da
premiação pelo desempenho dos alunos está presente uma concepção de educação escolar que se apresenta num modelo de ensino: a idéia de que o professor é aquele que ensina algo a alguém. Deste modo, individualiza-se o aluno e o próprio trabalho do professor. Trata-se de uma abstração. Na escola, há uma diversidade de alunos e o trabalho do professor não pode ser apenas o de ensinar uma disciplina - esse, talvez, seja uma dos maiores desafios colocados para os professores. Logo, a qualidade do trabalho do professor é algo mais complexo (vide a discussão mais apropriada sobre o tema em texto de José Mário Pires Azanha).
Diferentemente do
absenteísmo que, inegavelmente, é um dos problemas críticos em muitas escolas públicas e é sempre individualizado - a ausência é a deste ou daquele professor -, o desempenho relativo à aprendizagem não pode ser reduzido apenas a atuação de um indivíduo. Não que o professor não seja um elemento essencial para isso. Na verdade ele é, mas não é o único. Assim incentivar por meio de acréscimo à remuneração os professores que não faltam é uma coisa. Fazer o mesmo para aqueles que cujos alunos tem melhores nota é outra completamente diferente.
Existe, finalmente, neste ponto, um outro perigo: a discriminação contra alunos ou grupos de alunos (classes) que apresentem maiores dificuldades de aprendizagem. Esse, sim, algo que éinadmissível . Numa sociedade tão desigual, na qual o sistema de ensino, historicamente, contribui de maneira significativa para legitimar as desigualdades, pode-se estar criando mais um
fator para aprofundar esta desigualdade.
Não se pode esquecer que a escola pública - republicana - é aquela que recebe a todos e distribui esforços na medida certa para que todos aprendam.
Finalmente, um outro elemento a destacar na entrevista da secretária são as considerações que ela faz da gestão do sistema de ensino:
"(...) As diretorias de ensino têm de estar muito alinhadas às políticas do Estado para que possam cobrar os resultados na ponta".
É evidente que é dever da secretaria encaminhar uma política de educação. Ao mesmo tempo, que cabe aos gestores avaliar o sistema como um todo. Contudo, não se pode esquecer, que o grande desafio que se coloca é capacitar as escolas para que elas possam encontrar os meios de resolver os seus problemas e atender melhor a população. Pois, a simples cobrança já vem sendo feita e, historicamente, se materializa na forma do cumprimento dos rituais burocráticos (a escrituração escolar de acordo com um dado padrão, por exemplo).

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