quinta-feira, setembro 15, 2011

Relação de causa e efeito como valor

Recebi um e-mail que fazia referência ao texto publicado num dos portais de notícias na internet (Linha dura é receita da 1ª colocada pública regular de SP no ENEM).
O texto merece uma discussão pois alinha elementos que, de forma recorrente, vem aparecendo em discursos sobre o tema da educação vinculados pela mídia.
A matéria tem como ponto de partida a escala hierárquica que anualmente é apresentada após a divulgação dos resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Escala que apresenta em ordem decrescente as notas que, a partir de um ajuste estatístico, são atribuídas às escolas cujos alunos participaram da prova no ano anterior.
A apresentação desses resultados é amplamente explorada pela grande mídia e acaba atraindo a atenção de uma parcela da sociedade brasileira.
A comparação entre as notas de escolas públicas e escolas privadas é o ponto central. A tendência construída a partir da apresentação anual dessa escala é que os resultados das escolas públicas seja inferior aos das escolas privadas.
Mais recentemente, uma nova classificação vem sendo considerada: escolas públicas de maior e de menor desempenho. As primeiras - que acabam se equiparando ao grupo das escolas privadas - são, usualmente, as escolas técnicas federais ou estaduais, os colégios militares e as escolas de aplicação das universidades. São escolas que, em geral, realizam um processo seletivo para ingresso que considera o mérito escolar, desenvolvem atividades em tempo integral, que os professores trabalham em regime de dedicação exclusiva e possuem recursos pedagógicos à disposição para o uso no trabalho.  
As demais - chamadas, na matéria, de “escolas regulares” - são, em sua maioria, as escolas públicas estaduais que recebem qualquer aluno que requeira matrícula, cumprem apenas a carga horária mínima de aulas, que os professores são remunerados pelo número de aulas dadas e possuem poucos recursos.
Ou seja, foi criada uma nova hierarquia, agora, no interior do conjunto das escolas públicas.
A matéria se propõe mostrar a escola pública classificada como regular que obteve a melhor nota no ENEM. O texto leva o leitor a concluir que um aspecto específico do funcionamento da escola é determinante do resultado obtido na prova. De modo objetivo: que há uma relação de causa e efeito entre a chamada “linha dura” (expressão que está no título da matéria) da administração da escola e a nota no ENEM.  
É necessário lembrar que uma realidade é sempre resultado de uma multiplicidade de fatores. Portanto, a nota obtida por uma escola em uma avaliação como o ENEM não pode ser entendida como resultado de uma única dimensão, especialmente do que poderia ser chamado de uma forma de gestão da instituição.
Logo de início, o próprio texto faz uma menção muito rápida, ao fato de que a escola em questão faz seleção dos alunos ingressantes. Segundo a matéria, a escola recebe “os melhores alunos da rede municipal no último ano do fundamental". Logo, nesse aspecto, ela se iguala aos colégios militares e às escolas escolas técnicas federais e estaduais que fazem um exame para selecionar os ingressantes.
Contudo, vejo um outro aspecto que me desperta atenção e, principalmente, preocupação. Trata-se de uma visão que nós podemos nomear (tomando os devidos cuidados para não cairmos numa simplificação) de conservadora.
O aspecto central do sucesso dessa escola pública é apontado como o modo de funcionar que se caracteriza por uma rígida hierarquia que se funda na personalização da gestão. De um modo sintético: a escola é dirigida com "mãos de ferro" por uma diretora que possui características pessoais que resultam numa "ordem" do trabalho que leva a um resultado valorizado (notas do ENEM e aprovação em exames vestibulares).
O ponto central é justamente o caráter privado: a gestão da escola centralizada na pessoa da diretora e sendo essa pessoa portadora de uma missão que lhe foi atribuída em caráter privado (o cargo ocupado a partir de um convite feito pela secretaria de educação, há onze anos, em função de sua reputação). De outro lado, a racionalidade administrativa é reduzida às regras que visam a coerção que, pelo empenho pessoal da diretora, levam ao funcionamento em ordem. Não é por outro motivo que o texto cita entre as falas atribuídas à diretora da escola, as afirmações: “Outra coisa que não existe na minha escola..." ou “também não deixo usar boné e celular”.
Nada se fala do trabalho educativo desenvolvido na escola. Provavelmente, esse deve ser um dos principais elementos que diferenciam a escola das outras. Ou seja, o processo de ensino e aprendizagem que envolve professores, alunos, funcionários, pais e outros personagens desprezados na matéria.
Trata-se de um texto de grande apelo. Os elementos considerados e os juízos apresentados vão ao encontro de expectativas e entendimentos do senso comum. Agora, nós que somos profissionais da educação não podemos nos fiar pelo raciocínio que está presente no texto.
A leitura dele não pode ser apenas a das linhas mas dos motivos e dos valores que estão por trás delas.

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